Novas narrativas: mulheres jovens na arquitetura brasileira e o papel da comunicação

A arquitetura se constitui tanto na materialidade dos espaços quanto na forma como é percebida, discutida e registrada. O discurso arquitetônico, suas mediações e representações são partes inseparáveis do ato de projetar, pois definem o alcance e a permanência da obra no tempo.

A partir dessa compreensão, a Vestigare Agency surge como uma agência de mídias sociais direcionada para arquitetura e design, mas também como um espaço de curadoria arquitetônica e uma ponte entre arquitetos e um público mais amplo. A plataforma, criada e liderada por Luiza Giurni, se estabelece como uma nova instância de comunicação na arquitetura contemporânea e destaca, entre suas parcerias, uma construção coletiva estabelecida a partir da colaboração com arquitetas mulheres.

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Esse trabalho conjunto entre a agência e mulheres em posição de liderança em escritórios de arquitetura vem permitindo o reconhecimento do valor da troca no desenvolvimento da identidade dos escritórios, a possibilidade de conexão e reconhecimento com outras trajetórias como forma de inspiração e, por fim, a compreensão de que comunicar com precisão é tão importante quanto projetar com intenção.

Este artigo apresenta as trajetórias da Vestigare e sua fundadora, bem como de arquitetas mulheres com quem a agência colabora. Suas práticas, ao operar no cruzamento entre criação, reflexão e representação, expandem os limites do campo disciplinar.

Luiza Giurni, Fundadora da Vestigare

A arquitetura é essencialmente sobre espaço, mas seu impacto só se concretiza quando dialoga com as pessoas. Esse diálogo foi restrito a publicações especializadas ou círculos acadêmicos, tornando a disciplina distante de grande parte do público. A comunicação arquitetônica, nesse sentido, se tornou uma ferramenta fundamental para ampliar esse alcance – e foi exatamente nesse ponto que Luiza Giurni percebeu um novo caminho de atuação.

Durante sua formação, aprofundou pesquisas sobre arquitetura e comunicação, entendendo que a maneira como uma obra é narrada influencia diretamente seu impacto e recepção. Foi a partir dessa visão que surgiu a Vestigare Agency, em 2021. Inicialmente concebida como um acervo pessoal de referências e estudos feitos na graduação, a plataforma cresceu de forma rápida, o que revelou uma demanda latente: arquitetos e escritórios não precisavam apenas de divulgação, mas de um trabalho estratégico de posicionamento e comunicação visual. "A arquitetura precisa ser comunicada com a mesma precisão e sensibilidade com que foi construída.", destaca Luiza. Hoje, a Vestigare atua na interseção entre arquitetura, design e fotografia, criando narrativas visuais e discursivas que reposicionam arquitetos dentro de um cenário mais amplo.

"Empreender tão jovem e sendo mulher na arquitetura é um desafio constante. Muitas vezes, não se espera que ocupemos certos espaços ou que sejamos levadas a sério sem precisar provar duas vezes mais. Mas sempre enxerguei a Vestigare como algo maior do que eu — um projeto que fala por si, que cresce e se fortalece pelo impacto que gera. No fim, é sobre construir algo com consistência, criando diálogos que ressoam e permanecem."

A experiência de Luiza ressoa com a de muitas outras arquitetas e designers que, ao longo de suas trajetórias, enfrentam barreiras para serem reconhecidas em um meio que ainda carrega desigualdades. A Vestigare surgiu não apenas como uma plataforma para dar visibilidade ao trabalho de arquitetas, mas também como um espaço de encontro — um lugar onde diferentes vozes podem se amplificar e se fortalecer mutuamente.

Gabriela Mestriner, Fundadora da Flipê Arquitetura

Gabriela é cofundadora da Flipê Arquitetura, estúdio que teve seu início na cenografia, linguagem que surgiu de forma natural a partir de sua vivência como bailarina por mais de 15 anos. A cenografia tornou-se uma porta de entrada para uma prática expandida, que mais tarde se desdobraria em projetos de arquitetura, interiores e mobiliário. Gabriela também assinou o branding e a comunicação da Flipê, assim como a fotografia arquitetônica de grande parte dos projetos do escritório. Desde o início, a Flipê nunca se entendeu apenas como um escritório de arquitetura construída, mas sim como um organismo vivo, um espaço de experimentação e troca.

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Apartamento 011 / Flipê Arquitetura. Image © Gabriela Mestriner

Desde 2024, Gabriela reside em Nova York, onde realiza sua pós-graduação e mantém uma prática criativa que inclui pesquisa e colaborações internacionais. Nesse contexto, fundou a Mest, um estúdio voltado à investigação transdisciplinar entre design, arte e arquitetura, com foco em cultura e sustentabilidade. "Tenho aprofundado meu interesse pelos saberes ancestrais e pelas possibilidades de criação colaborativa com comunidades", afirma. Seu trabalho recente inclui uma pesquisa na Pratt Institute com a comunidade Yup'ik, no Alasca, além de estudos sobre o pensamento Lo-TEK, reafirmando a importância de aprender com formas de conhecimento que há muito sustenta relações equilibradas entre sociedade e natureza.

No mercado de trabalho, Gabriela traz a reflexão de que as oportunidades são atravessadas por filtros de gênero. Por isso, acredita profundamente na força das parcerias femininas. "Tudo o que sou e o que criei teve mulheres no centro — pelas colaborações, pelos afetos e pelas referências que me formaram", destaca. O que move Gabriela, no fim, é o desejo de seguir criando e colaborando com consciência, escuta e profundidade.

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Apartamento RR / Nati Minas & Studio + Flipê Arquitetura. Image © Gabriela Mestriner

"O compromisso de contribuir para narrativas mais plurais, como mulher e como brasileira no mundo, carrega um sentido coletivo. O que me interessa é seguir nesse percurso de forma consciente, aprendendo sempre e construindo com responsabilidade tudo aquilo que me é dado imaginar, propor e realizar — sempre em movimento, e sempre em relação", conclui.

Pia Quagliato, Sócia do Felipe Hess Arquitetos

A trajetória de Pia sempre foi guiada por uma visão ampla do campo e pelo desejo de compreender a arquitetura para além da estética e da técnica. Cursou Sociologia e Política em paralelo ao curso de Arquitetura e, desde então, tem conciliado a prática arquitetônica com uma vida acadêmica ativa, aprofundando-se em temas que conectam a arquitetura à sociedade. Possui um mestrado na FAU-USP na área de Planejamento Urbano, uma pós-graduação em Sociologia pela FESPSP e um master em Artes Políticas pela Sciences Po Paris. Essa formação multidisciplinar lhe proporcionou ferramentas para compreender que a arquitetura não é um campo isolado, mas um território em constante diálogo com a política, a cultura e a vida urbana.

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Loja Boobam / Felipe Hess Arquitetos. Image © André Klotz

Entre os desafios da profissão, destaca a questão de gênero como uma das mais estruturais. Esse "filtro" de gênero, embora por vezes exaustivo, tornou-se uma ferramenta essencial para interpretar e enfrentar as dinâmicas do mercado e do ambiente profissional. Essa sensibilidade se aprofundou conforme assumiu posições de gestão, tornando mais visível a desigualdade estrutural da profissão e reforçando a necessidade de construir novos espaços de atuação para mulheres na arquitetura.

Nos últimos anos, tem se dedicado também à pesquisa sobre arquitetas e designers que foram sombreadas ao longo da história. Muitas desempenharam papéis fundamentais em grandes projetos, mas foram sistematicamente excluídas dos créditos e do reconhecimento. Acredita que compreender essa questão já é um passo fundamental para transformações futuras, e, por isso, tem buscado compartilhar esse conhecimento e fomentar debates sobre o tema.

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Casa Ibsen / Felipe Hess Arquitetos. Image © Fran Parente

Ter consciência desse sombreamento histórico é, para ela, um passo fundamental. E, mais do que isso, é uma inquietação que encontra eco em seus pares. Mesmo sendo sócia em um escritório fundado por um homem, ela destaca como, ao longo do tempo, esse espaço se transformou em um território fértil para o acolhimento e o debate. Com uma equipe composta majoritariamente por mulheres — 75% do time —, ouvir essas vozes se tornou não apenas inevitável, mas essencial para o crescimento e a ética do coletivo. Mais do que uma revisão histórica, trata-se de um compromisso contínuo com a escuta, a troca e a construção de uma prática mais justa, plural e consciente.

Giovana Giosa - Sócia fundadora da SAAG Arquitetura

A sensibilidade de Giovana ao universo das artes a levou a cursar Artes Plásticas antes mesmo de iniciar a graduação em Arquitetura e Urbanismo. Pouco tempo após se formar, criou o Studio AG em parceria com Amanda Castro. O escritório consolidou uma trajetória de dez anos, que agora se desdobra sob um novo nome: SAAG Arquitetura.

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Casa GGL / SAAG Arquitetura. Image © Fernando Guerra | FG+SG

O desejo de aprofundar o pensamento crítico e se reaproximar do campo acadêmico a levou a desenvolver um mestrado a partir de uma leitura sensível e singular da obra de Lina Bo Bardi, traçou conexões com instalações de artistas como Olafur Eliasson e Anish Kapoor, explorando o cruzamento entre espaço construído e experiência sensorial.

Desde o início do SAAG, Giovana e Amanda estabeleceram um compromisso: tentariam ocupar um espaço ainda bastante dominado pelo universo masculino. Não se restringiriam somente à arquitetura de interiores numa tentativa de exercer a arquitetura em suas diversas escalas — mesmo que isso implicasse em escolhas mais difíceis e caminhos mais longos. "Sabíamos que ser duas mulheres jovens em um mercado historicamente liderado por figuras masculinas nos colocaria desafios. Tínhamos receio de sermos rotuladas, de sermos colocadas em caixas limitantes. Queríamos poder fazer de tudo, edificar, pensar o espaço urbano e disputar esses espaços", explica.

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Casa APR / SAAG Arquitetura. Image © Ricardo Bassetti

Ao optar por manter uma equipe composta apenas por mulheres, o escritório se transforma, aos poucos, em uma referência e inspiração para outras profissionais. "Ainda não acredito que tenhamos alcançado o equilíbrio que desejamos. Mas, ao ver outras mulheres se inspirando em nós, percebo que há potência nesse movimento.". Mais do que consolidar um nome, sua trajetória é marcada por escolhas conscientes e pela busca por um lugar mais justo e diverso dentro da arquitetura brasileira — onde outras mulheres possam também imaginar e ocupar posições de liderança, construção e transformação.

Amanda Castro - Sócia fundadora da SAAG Arquitetura

Durante sua formação, Amanda passou por diferentes escritórios, vivenciando uma diversidade de escalas e programas. Ao lado de Giovana Giosa, iniciou um projeto pontual que, sem grandes pretensões iniciais, se tornaria o ponto de partida para o nascimento do escritório que ambas dirigem há mais de uma década.

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Casa LRM / SAAG Arquitetura. Image © Fran Parente

A atuação do escritório parte da ideia de que a arquitetura não deve seguir fórmulas prontas. A busca por novas abordagens, materiais e modos de habitar atravessa cada projeto, sempre com a intenção de traduzir a vida de quem ocupa os espaços. A casa é compreendida como um organismo vivo, que pulsa, respira e exige escuta — e é a partir dessa escuta que se busca alcançar conforto, harmonia e bem-estar.

O ingresso no mercado foi marcado por coragem e intuição. Jovens e movidas pela vontade de criar, as sócias encararam o início da trajetória com leveza. Com o passar dos anos, no entanto, tornou-se evidente o quão desafiador é manter um escritório ativo, coerente e ético em um cenário competitivo. A gestão tornou-se também uma prática arquitetônica — que exige clareza de propósitos, escuta constante e reinvenção.

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Casa APR / SAAG Arquitetura. Image © Ruy Teixeira

Composto inteiramente por mulheres, o time traz à tona um posicionamento que vai além da prática profissional. Em um campo ainda marcado por desigualdades estruturais, sobretudo nos espaços de decisão, a existência de um escritório liderado por mulheres se firma como gesto político. Os desafios persistem — do preconceito em obras à dificuldade de alcançar certos tipos de projetos — mas são enfrentados com consistência, afeto e determinação. Mais do que um diferencial, a presença feminina se torna força. Ao inspirar outras profissionais, o escritório reafirma o compromisso com uma arquitetura que escuta, traduz e transforma — tanto os espaços quanto as estruturas que os sustentam.

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Sobre este autor
Cita: Vestigare Agency. "Novas narrativas: mulheres jovens na arquitetura brasileira e o papel da comunicação" 06 Mai 2025. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1029799/novas-narrativas-mulheres-jovens-na-arquitetura-brasileira-e-o-papel-da-comunicacao> ISSN 0719-8906

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